quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Uma breve consideração acerca das distorções das "políticas da amizade" nas seleções de pós-graduação no Brasil.



O título de hoje é grande e já diz muito do que se trata o texto.
Antes de começar, preciso dizer que ando um tanto afastado do blog por conta de inúmeros trabalhos e afazeres nos últimos meses. Em breve a situação deve melhorar.

A origem do texto de hoje remonta aos idos de 2009. No meu primeiro contato/experiência com questões relativas a uma política distorcida muito presente nos programas de pós-graduação.
Naquele momento eu estava me aproximando da conclusão da minha segunda experiência na graduação, um curso no qual eu possuía Coeficiente de Rendimento 9.6, eu vivia para estudar.

Desde o ano de 2008 eu começava a vislumbrar e preparar o que imaginava ser a carreira ideal para mim, fosse por afinidades pessoais (diversas), fosse por considerar possível conduzir uma carreira acadêmica concomitante com uma produção cinematográfica independente. A partir daí, passei a me preparar para um mestrado subsequente ao curso de graduação.

Após conversar com alguns professores que considerava referências diretas, como Silvia Oroz, Wilson Oliveira, Gabriela Lírio e Tadeu Capistrano (que foi o meu orientador na época), decidi fazer o projeto com alguns meses de antecedência e pedir ajuda (principalmente ao Tadeu e ao Wilson) na correção e definição de pontos específicos. Tudo feito, projeto avaliado como sendo muito bom pelo Tadeu Capistrano, resolvi fazer a inscrição em uma grande universidade no Rio de Janeiro. Honestamente, esperava ter muitas dificuldades numa possível entrevista (sofro de uma timidez incrível), mas estava tranquilo no que diz respeito à prova e à correção do projeto.

Então, num belo dia, sai o resultado do projeto no site. Fiz a inscrição junto com um amigo (que por sinal tinha o projeto elogiado por muitos professores). Ficamos, os dois, com nota 6,9. A média era 7,0.
É obvio que é estranho, no mínimo curioso. Mas decidi não me preocupar muito, não levar adiante nenhuma teoria estranha. Passou.

Fiquei 2 anos trabalhando com audiovisual em outros estados e adiei o projeto da vida acadêmica. Até que, em 2011, resolvi que era o momento de me dedicar ao que havia projetado.
Com uma postura um tanto diferente da escolhida em 2009, resolvi que estudaria, mas não tanto quanto antes. Mantive minhas leituras nesses 2 anos, fiz duas especializações e decidi apenas revisar o mesmo projeto de antes.

Fiz inscrições em algumas instituições dessa vez. Não apenas uma. 
Foram elas: UFSCar, UFBA, UESB e UERJ.
Na UFSCar em Audiovisual, na UFBA no PosCom, na UESB em Memória e na UERJ em Artes.
A princípio, faria a inscrição na UFRJ, mas em contato com o Tadeu (professor de da pós na EBA) decidi que seria mais apropriado na UERJ, por se tratar de uma pesquisa envolvendo cinema.

Em todas as 4 o projeto foi aprovado e bem avaliado.
Aí começam questões intrigantes.
Antes de fazer a inscrição no PosCom da UFBA, me indicaram fazer a inscrição no Pos Cultura, dado que, sem contato prévio com os professores, jamais seria aprovado no PosCom. 
Ora, é perfeitamente compreensível o que acontece em muitos programas, quando os professores dão preferência a alunos da casa, por já conhecer o trabalho dos mesmos, saber da seriedade dos pretendentes. Entretanto, em momento algum, isso deveria anular a possibilidade de estudantes até então "desconhecidos" disputarem uma vaga de igual para igual. Não deveria, mas acontece.

O caso UFBA se deu da seguinte maneira. Com o projeto aprovado, fui convocado para a prova teórica e para a prova de língua estrangeira. Fui aprovado nas duas com ótimas notas. 
Penso que, tendo sido aprovado o projeto, há algum interesse da banca/curso/professores, em avaliar melhor a pessoa (e isso se dá, em parte, com as provas) até o momento da entrevista.
Chegando na entrevista não nego que fiquei surpreso pelo fato de que os três eram da área de jornalismo cultural, o que, ao menos em teoria, não seria o ideal para o meu projeto e de outra pessoa que viria depois de mim.
A entrevista foi pura formalidade, com questões que não  tinham absolutamente nada a ver com o projeto, senão com uma espécie de curiosidade da banca em relação a minha vida pessoal.

Estou falando aqui, antes de qualquer outra coisa, de respeito.
O meu projeto (que havia sido aprovado com nota alta) nem sequer tinha sido lido pelos membros da banca. O incrível é que um professor nem sabia pronunciar o nome Cronenberg, presente na capa do projeto. O mesmo professor (que por sinal era incrivelmente arrogante) não sabia se já tinha visto alguma coisa do diretor em questão. A outra professora tinha certeza absoluta de nunca ter visto nada do diretor e desconhecer grande parte da bibliografia. O terceiro, esse um tanto mais respeitoso e profissional, conhecia os filmes citados do projeto pois fez questão de vez antes da banca, mas também desconhecia a bibliografia. É importante ressaltar que a bibliografia é amplamente conhecida nas áreas que vão desde a filosofia, passando por comunicação/cinema, até as artes.

E depois de algum tempo respondendo a perguntas absurdas sobre minha atividade como professor de música, cerca de 10 minutos, o coordenador (do curso e da banca) disse que estava preocupado, pois não via ninguém no quadro de professores que tivesse inclinação para orientar uma pesquisa envolvendo um cinema "tão específico".

Quando você está numa situação assim, de banca, de avaliação, sabe que a ansiedade e a aflição são esperadas, que ir mal é uma possibilidade, que estar despreparado é uma possibilidade. Mas chegar até aí pra ficar batendo papo sobre amenidades e vida pessoal é no mínimo esquisito. Ofensivo. Desrespeitoso. O candidato, além de estudar e trabalhar para chegar ali, deposita confiança e o mínimo que se exige é respeito. O que não aconteceu. Foi o caso UFBA.

Depois veio o caso UESB. Esse, o mais incrivelmente desrespeitoso e, posso dizer, cretino.
Da mesma maneira que no caso da UFBA, o projeto foi aprovado, passei nas provas (na teórica e na de inglês) com ótimas avaliações. Parti para a entrevista.
Chegando lá, me deparo com a má vontade em pessoa. Ainda bem que não lembro o nome dela. Era a coordenadora do curso.
Me disse que o projeto estava excelente, muito bem redigido, com as bases teóricas muito bem sustentadas, me disse que a prova tinha sido muito boa. Em seguida, foram inúmeras perguntas burocráticas, sobre, bolsa, estadia, moradia, a cidade, minha carreira, muitas outras e nenhuma, repito nenhuma questão sobre o projeto. A banca era composta da mal humorada que adorava rasgar elogios e dois professores mudos. Cerca de 7 minutos depois, perguntou se eu queria saber algo sobre o curso e praticamente forçou uma despedida.

Confesso que até hoje não entendo muito bem esse caso. O que sei é que falta muito pra que uma pessoa assim compreenda o que é educação e respeito.

Escrevo esse texto hoje porque dois amigos passam por situações semelhantes e conversamos longamente sobre o assunto.

Na UFSCar fui aprovado no projeto, prova e língua estrangeira. Assim como na UERJ.
Não fui para a entrevista da UFSCar por ter caído na mesma data da UERJ, que era a minha preferência.

E a maneira como as coisas aconteceram na UERJ deveria servir de exemplo pra todos os cursos de pós no Brasil. Desde o começo da entrevista o máximo cuidado e respeito pelo candidato era evidente. Uma preocupação em aniquilar qualquer ansiedade, com o bem estar. Todas as perguntas burocráticas comuns foram feitas e depois, pela primeira vez naquele ano, os professores entraram propriamente no projeto. Foi a entrevista na qual fui mais duramente arguido. E isso já era uma demonstração de respeito. Pelo fato de ter lido o projeto, de ter se preocupado em questionar os pontos frágeis, em tentar descobrir do candidato como resolver tais questões. Processo muito respeitoso. Não digo que foi agradável. Nunca é. Mas foi justo, na medida do possível.

Em que esse texto tem relação com o título? 
É comum que tenhamos, não apenas na academia, em quase todos os processos relacionais, sejam eles de cunho profissional, artístico, uma chamada política da amizade. Uma preocupação em manter por perto os pares, em exaltar afinidades e homenagear essas afinidades.
Entretanto, é terrível quando isso se confunde com uma política das panelinhas. Quando, por exemplo, só trabalha em determinada função, ainda que existam candidatos mais competentes, aquele que tem o contato ou (no que considero o pior dos casos) aquele que segue a cartilha sem pisar fora dos trilhos.

É uma política expulsa, que tira de determinados círculos, todo aquele que pensa diferente. E não percebo como o pensamento pode ser enriquecido e florescer onde todos repetem o mesmo discurso.
A ousadia ou simplesmente o impulso de produzir uma diferença é covardemente tolhido no meio acadêmico. É a ultra exaltação do igual, do discurso homogêneo que rege a academia, especialmente na pós graduação. E é óbvio que existem exceções. Sem dúvidas! E em alguns programas específicos já estão a fortalecer o corpo. O que é muito positivo.  O que sinto é que todo aquele que está na margem recebe uma enorme pressão para que dali não saia jamais.

Lembro de um texto que li, em 2009 ou 2010, salvo engano, no blog do Erick Felinto:

"1. Ao escrever seus artigos, busque o estilo mais impessoal, conservador e desprovido de graça que puder imaginar.  Nada de títulos muito inventivos, boutades ou argumentos originais.  Tente sempre se colocar no lugar de um avaliador da Capes e dê um jeito de enfiar  a palavra “comunicação” onde quer que seja possível, principalmente no título e no resumo.  Aliás, como a avaliação se baseia unicamente na leitura dos resumos dos textos, invista um bom tempo no aprendizado da arte de escrever resumos;
2. Tente estar sempre atento ao cânon de autores e teorias oficialmente sancionado pelas correntes modas acadêmicas.  Para conseguir o imprimatur (nihil obstat) dos poderes estabelecidos é importante manter-se atualizado em relação a esse cânon, que, como toda moda, muda de tempos em tempos.  Michel Maffesoli, que nos idos de outrora constituiu uma das principais referências da comunicação no país, agora produz esgares de raiva nos rostos de avaliadores e pareceristas.  A semiótica, que um dia foi a última moda da literatura e da comunicação, agora é quase um palavrão acadêmico.  No sentido de oferecer uma ajuda nesse complexo cenário do que está “in” ou “out” na academia, preparei a relação de nomes abaixo como exemplos significativos e uma escala de 0 – “nunca usar” a 5 – “pode esbanjar”:
I. Gilles Deleuze – sempre “in”, sempre citado, mas cuidado: ele cheira muito a filosofia para agradar unanimemente aos avaliadores de nossa área.  Conceito 3 (grau de risco razoavelmente alto.  Use apenas se seu capital acadêmico tive bala na agulha para isso);
II. Giorgio Aganben – super “in”, esse está altamente na moda, especialmente na área específica dos estudos de audiovisual, mas apresenta o mesmo risco do nome anterior, ainda que em grau inferior. Conceito 4;
III. Pierre Lévy – já um pouco desgastado, mas ainda uma referência bastante segura e figurinha fácil na abertura de vários congressos no Brasil.  Conceito 4;
IV. Arlindo Machado – entre os nomes nacionais, esse é unanimidade.  Nível de segurança e aceitação totais, pode usar e abusar.  Conceito 5;
V. Adorno – figura clássica, de boa aceitação, ainda que se prefira seu uso acompanhado de algumas observações críticas.  Afinal, ser apocalíptico está definitivamente fora de moda.  Conceito 3;
VI. Lev Manovich – popularíssimo!  Muito seguro e – apesar de excessivamente utilizado – ainda chique.  Conceito 5;
VII. Jesús Martín-Barbero – totalmente “in”; além de bacana e atual, ainda é latino-americano.  Um “plus”. Conceito 5;
VIII. C. S. Peirce – não chegue nem perto, a não ser que realmente tenha uma capital acadêmico do tamanho do Amazonas.  Como explicado acima, o simples emprego do termo “semiótica” pode ser suficiente para condená-lo às chamas eternas do inferno.  Conceito 1.
[Esses são apenas alguns poucos exemplos.  A lista seria muito grande e cheia de nuances para caber aqui, mas as indicações já dão uma boa idéia do que seria considerado de "bom tom" em nossos discursos acadêmicos]
3. Procure sempre o difícil equilíbrio entre manter um “low profile” e arrumar um jeito mais ou menos discreto de divulgar tudo o que está fazendo.  Aqui também a publicidade é a alma do negócio;
4. Não faça nada para irritar “the powers that be”.  Às vezes você não tem nem idéia disso, mas uma eminência do alto clérigo te detesta por não ter sorrido e meneado a cabeça em acordância durante a apresentação de um trabalho dele em algum congresso.  A política é a arte do possível, disse Bismarck.  Portanto, faça o possível para todo mundo te adorar (especialmente os dirigentes do império intergaláctico);
5. Aja sempre conforme o esperado segundo seu capital acadêmico, de modo a não perturbar a ordem natural das coisas.  A escala segue, naturalmente, a seguinte seqüência: 1. mestrandos (habitam lá pelo quinto círculo do inferno, na lama ardente dos pântanos do Estige), 2. doutorandos (ali pelo segundo círculo do inferno, sofrendo nas intermináveis tempestades de ventos), 3. doutores empregados em universidades particulares, exceto as confessionais (localizados no confortável, mas enfadonho limbo), 4. jovens doutores empregados em universidades públicas (assentados no purgatório), 5. antigos doutores empregados em universidades públicas (nas primeiras escalas do empíreo) e 6. antigos doutores que também são pareceristas de órgãos de fomento à pesquisa (sentados à direita do trono divino).  Qualquer alteração dessa hierarquia provoca profundas perturbações do sistema e reações anafiláticas nos representates das hostes superiores.  Um doutorando capaz de escrever e pensar melhor que um doutor da quinta esfera corre o risco de ser demovido para um dos círculos infernais.
6. Se alguém te perguntar se já leu tal ou tal livro do qual você sequer ouviu falar, simplesmente mova a cabeça e faça algum ruído ininteligível, de modo que seu interlocutor não saiba se a resposta foi sim ou não.  Se tiver lido pelo menos a introdução, já está bom e pode dizer com segurança que sim (e não é que aqui também a arte de ler e escrever resumos vem a calhar?).
Depois de ter lido todos esses úteis segredos do sucesso na vida acadêmica, medite no tranqüilo recesso de seus aposentos mais privados e responda a seguinte pergunta: “quero ser professor por que realmente amo o conhecimento, o ensino e a pesquisa? “.  Se a resposta for sim, esqueça todas as indicações anteriores e viva perigosamente.  É isso o que realmente importa.  E todo o resto, como dizia Verlaine, “é literatura”."  (Eirck Felinto).

Por sinal, indico a todos os blog Carpintaria das Coisas, do Erick Felinto. Excelente! O endereço é: http://poshumano.wordpress.com/
Fica por aqui essa reflexão inicial acerca dessa questão intrigante e curiosa.
Continuo levando o projeto de vida acadêmica por perceber que a minha afinidade cresce e, ainda, por não ter talento pra outra coisa. E lembro do que disse o Jorge Vasconcellos numa aula, de que só é possível detonar certas estruturas por dentro. É por ai.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Carta de Anthony Hopkins para Bryan Cranston de Breaking Bad.



"Querido senhor Cranston.
Queria escrever e-mail a você - então estou entrando em contato com você pelo Jeremy Barber - acredito que nós dois sejamos representados pela UTA. Ótima agência.
Eu acabei uma maratona de 'Breaking bad' - do episódio um da primeira temporada até os últimos oito do sexto (sic) ano (eu baixei a última temporada na Amazon). Foi um total de duas semanas (de vício).
Nunca assisti a nada como isso. Brilhante!
Sua performance como Walter White foi a melhor atuação que eu vi na vida.
Eu sei que há tantas coisas fumegando e besteiras revoltantes nessa indústria e eu meio que perdi a crença nisso.
Mas seu trabalho é espetacular - absolutamente esplêndido. O que é extraordinário é o poder absoluto de todos os envolvidos na produção. O que foi isso? Cinco ou seis anos de trabalho? O modo como os produtores (você incluso), os roteiristas, diretores, fotógrafos... -todos os departamentos, a seleção de elenco etc - conseguiram manter a disciplina e o controle do começo até o fim é (essa palavra banalizada) incrível.
Desde quando começou como uma comédia de humor negro, descendo em um labirinto infernal de sangue e destruição. Foi como uma ótima peça jacobiana, shakespereana ou uma tragédia grega.
Se você puder, você poderia transmitir a minha admiração a todos? Anna Gunn, Dean Norris, Aaron Paul, Betsy Brandt, R.J. Mitte, Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Steven Michael Quezada - todo mundo - todos que deram aulas de performance... A lista é interminável.
Obrigado. Esse tipo de trabalho artístico é raro e quando, uma vez ou outra, acontece, como nesse trabalho época, isso restaura a confiança.
Você e todo o elenco são os melhores atores que eu já vi.
Isso pode parecer rasgação de seda. Mas não é. É quase meia-noite aqui em Malibu e eu me senti compelido a escrever esse e-mail.
Parabéns e o meu mais profundo respeito. Você é realmente um grande, grande ator.
Com meus melhores cumprimentos,
Tony Hopkins”

sábado, 14 de setembro de 2013

Totally Fucked Up: Filmes que perturbam e ofendem - Parte 2

Percebi que ontem pulei o 14. Como isso pouco importa, vai ficar assim mesmo.
Vou dar continuidade a essa lista de filmes que causam abjeção.

16 - Bad Lieutenant - Abel Ferrara


Harvey Keitel em uma perfomance incrível como um furioso enlouquecido, viciado em drogas, policial corrupto que investiga o estupro brutal de uma jovem freira. Esse não é um filme para os fracos de coração e mente.

17 - The Devils - Ken Russel


Por alguma razão idiota, eu decidi assistir The Devils à noite. Eu não conseguia dormir porque sentia muita repulsa com o que tinha acabado de ver. Um sacrilégio, sangrento, incrível pesadelo de freiras sexualmente reprimidas que têm um sacerdote massacrado por seus delírios.

18 - Repulsion - Roman Polanski


Polanski é uma figura singular, não apenas no papel de diretor de cinema. Teve muitos episódios controversos, extremos e impactantes em sua vida. Desde acusações de pedofilia até o assassinato em massa de amigos e esposa pela família Mason. Com o seu cinema não é muito diferente. Paira uma atmosfera perturbadora em muitos dos seus melhores filmes. Talvez a melhor realização de Polanski nos anos 60, Repulsion apresenta uma bela jovem Catherine Denueve que desce aos níveis de loucura e assassinato quando deixada sozinha. Toneladas de carne podre e fantasias insanas neste filme maníaco.

19 - The Killing of America - Leonard Schrader

Este documentário raro passa muito despercebido, principalmente porque foi proibido nos Estados Unidos e em muitos outros países, e isso já sugere o que pode ser visto no filme. The Killing of America não é apenas um filme feito para o entretenimento, é sobre assassinos, assassinos em série, criminosos e outros psicopatas que correm à solta no mundo. O filme tem cenas snuff (reais) de morte e violência. Depois de ver um filme como este é inevitável lembrar Schopenhauer e pensar se existe realmente alguma esperança para nós neste mundo.

20 - Faces da Morte - John Alan Schwartz


Super polêmico e estranho, este filme tem algumas cenas de morte reais e algumas falsas que, ainda assim, são muito assustadoras. Eu e muitos amigos, durante a infância nos anos 80, movidos pela curiosidade e certo fascínio pelo cinema de horror, passamos momentos de tensão com esse filme (que acabou por se tornar uma coleção em pouco tempo). Veio na onda de cinema exploitation que cresceu nas décadas de 70 e 80 do século passado.

21 - A Serbian Film - Srdjan Spasojevic


Uma história terrivelmente brutal sobre uma estrela do pornô sérvio. O filme foi proibido em incontáveis países ao redor do mundo (incluindo o Brasil). É brutal, angustiante, seco, ácido, nervoso. Um filme que foi profundamente depreciado por praticamente 100% da crítica ao redor do mundo. Considero o filme ultra violento pela potência das imagens e das sugestões feitas a partir de rápidos raccords. Definitivamente é um filme para pouquíssimos. Difícil de ver e mais ainda de esquecer. Entretanto, embora passeie por caminhos trilhados pelo exploitation, o filme vai além. Depois de ver e ler algumas entrevistas com o diretor Spasojevic cheguei à conclusão que o filme não pode simplesmente ser acusado de sensacionalista. Como diz o próprio diretor, "são acontecimentos reais, mais frequentes do que se imagina e não percebo outra forma de construir o filme que não seja aquela já feita, sem aparar arestas". É realmente doentio o que se passa. Direto na carne, sem "intermediários poéticos". Uma jornada crua e impactante pelo submundo dos snuff movies.

22 - Lilya Forever - Lukas Moodysson


Assistir a essa película pode causar verdadeiro mal estar. Lilya Forever é um filme profundamente triste sobre uma jovem que vê sua vida ser reduzida a prostituição após ser abandonada por sua mãe e abusada por cada idiota que tem ao seu redor. Filme difícil e duro.

23 - Eraserhead - David Lynch


Obra seminal de uma fase áurea do diretor David Lynch. Diria que Eraserhead é um dos filme mais perturbadores. É tão ameaçador, bizarro e inquietante. Com cenas que provocam profundo asco, é um ensaio terrível sobre a forma do corpo.

24 - Veludo Azul - David Lynch


Os filmes de determinada fase da carreira de David Lynch são um geniais. E Veludo Azul é um soco forte no estômago com toda a sua intensidade de estranhezas. Será que de fato, como argumenta Lynch, o roteiro surgiu (fenômeno recorrente em sua obra) de um sonho profundo? Dennis Hopper atua com uma performance incrível como o pervertido psicopata Frank Booth. O filme conta com enquadramentos excelentes, tomadas geniais. Obra prima.

25 - Pink Floyd: The Wall - Alan Parker


The Wall é um filme forte e denso baseado no disco homônimo da banda inglesa Pink Floyd, com uma carga emocional e afetiva muito poderosa (já presentes até com mais notoriedade no CD), que faz você refletir e questionar tudo o que pensa sobre o vazio existencial da vida. A potência das imagens dão vida e afetam de maneira muito diferente do que faz a música. Pink Floyd é a minha banda favorita, mas até mesmo a música genial e as sonoridades peculiarmente agradáveis não podem distrair ante os visuais perturbadoramente vivos. Realmente chega a você. Destaque para as animações de Gerald Scarfe.

26 - O Massacre da Serra Elétrica - Tobe Hooper


Este filme é um ícone que marca uma fase criativa e revigorante no cinema americano. Fruto de uma mistura de forças no seio da cultura, com apresentações impactantes de figuras presentes no dia a dia das manchetes de jornais nos anos 70. Leatherface é provavelmente o vilão de terror mais assustador de todos os tempos, com inúmeras refilmagens e homenagens. Baseado em uma mistura de assassinos e histórias reais, tendo como personagem principal um troglodita que usa uma máscara feita da carne do rosto de um ser humano assassinado. Toda uma família assustadora de psicopatas e psicóticos canibais. Só de imaginar a sensação de estar sendo perseguido por um maluco com uma serra elétrica já dá calafrios.

27 - Café Flesh - Stephen Sayadian


Cafe Flesh é um híbrido do cruzamento entre o cinema convencional e a pornografia.  Eu estou falando de pornografia com valores de produção, numa mistura de burlesca, noir, new wave dos anos 80. Tratando de um mundo pós-apocalíptico onde os sobreviventes se dividem em positivos e negativos do sexo. Os negativos compõem 99% da população e não pode ter relações sexuais ou mesmo ter contato físico com outra pessoa sem se tornar fisicamente doente. Filme raro hoje que rodava nas antigas videolocadoras.

28 - Lost Highway - David Lynch

Filme magnífico do diretor David Lynch que combina elementos de thriller psicológico e do que se poderia chamar de "neo noir". Obra confusa e perturbadora. Melhor sentar para ver.

29 - Dead Ringers - David Cronenberg


Poderia passar horas falando sobre esse filme. Poderia escrever páginas e mais páginas (novamente!). Em uma palavra: genial! Direção incrível do Cronenberg combinada a uma atuação impressionante do Jeremy Irons. Um filme de profundidade ímpar e cuidado peculiar do diretor canadense sobre gêmeos idênticos que se tornam ginecologistas e vivem como se fossem duas faces de uma mesma pessoa. Irmãos absolutamente geniais que vivem unidos e partilhando tudo em cada um dos caminhos trilhados (guardadas algumas particularidades de cada um). Me lembra de Persona, mas 20 vezes mais perturbador. Há muito que se comentar acerca do filme. Obra de maturidade do diretor e marcada (por críticos de cinema mundo afora) como ingresso de Cronenberg  no chamado "cinema de arte". Muito embora é visível que isso acontece muito antes, basta um olhar mais atento. Filme para ser visto hoje.

30 - Crash - David Cronenberg


Novamente, sou suspeito para falar muito. Uma verdadeira obra prima da cinematografia contemporânea. Desde os enquadramentos, movimentos de câmera, passando pela excelente trilha sonora, performances dos atores, temática de uma perversão sagaz e, obviamente, o trabalho com os corpos. Adaptação para o cinema do livro homônimo de Ballard, o filme (segundo o autor do livro) surpreende por ir além da sua obra. Nas palavras do próprio, "aquilo era muito mais aterrorizante do que meu livro". O roteiro parece começar de onde aquele acaba e se mostra muito mais sincero e carnal. Crash é uma mensagem desde o olho do furacão, e Cronenberg encontrou um espaço de pequena calmaria a partir de onde começa esse brilhante e assombroso filme. Tudo é como um acidente em câmera lenta, e não por sua violência e sexualidade, senão pelo que diz sobre violência e sexualidade.


A parte 2 fica por aqui. Abraços.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Totally Fucked Up: Filmes que perturbam e ofendem - Parte 1

Boa noite, pessoal.
Essa semana tem sido densa, entre textos do Shaviro, Felinto, Vargas Llosa, Flusser.
Complicado conseguir tempo.
Resolvi, então, postar uma lista comentada muito bacana que encontrei num site americano.
Digo de antemão que não é uma lista para qualquer um. Não são filmes para qualquer um.
No Máquina Noturna falaremos de filmes de todos os possíveis gêneros. Aconteceu de, numa sexta feira 13, vir um post com filmes que, literalmente, penetram nos corpos e arrancam sangue.

Teremos aqui dias que se deitaram pesadamente sobre Tarkovsky e Bergman. Noutros teremos um passeio delicado e profundo por Truffaut. Hoje é o dia de uma lista densa.

Então, quem não gosta de sangue, de temas que aprofundam sobre a condição do corpo, de fraseados agressivos compostos na película cinematográfica, pulem o dia de hoje. E voltem no próximo.

Vou comentar mais sobre alguns desses filmes num post que farei amanhã.

Sobre a lista, tem filmes muito bons! Obras geniais, até, em alguns casos.
Recomento muito...

...se você tiver coragem e estômago.

Como a lista é longa vamos postar grupos de 15 filmes.

Textos: Severin (com muitas notas e mudanças do Máquina Noturna)
Tradução: Máquina Noturna

*Importante ressaltar que não existe uma ordem de qualidade ou de horror na lista. Os números são apenas para efeito de contagem.

1 - Salò - Pier Paolo Pasolini



Salò é um conto de imoralidade sádiao e perversão sexual. Mas, de fato, o que diabos você espera? É uma adaptação honesta para filme do clássico romance do Marquês de Sade com o mesmo nome, que foi queimado e banido por centenas de anos. Mas Salò diz muito sobre os horrores do fascismo e a decadência burguesa, por isso não é apenas pornográfico.

Este filme é definitivamente sobre lado inflamado e traumatizante das coisas. Na verdade, Pier Paolo Pasolini foi assassinado antes de Salò sequer ter sido lançado e, felizmente, não presenciou os retrocessos intensos e controvérsias em torno do filme.

2 - Canibal Holocausto - Ruggero Deodato


Basta dizer que é obra de um dos grandes mestres do cinema de horror, o Ruggero Deodato. Um grupo de mestres italianos da arte povoaram o mundo e produziram verdadeiras obras primas. Essa uma entre tantas. Mas uma que se destaca. É um filme muito nojento que causa febre como um terrível pesadelo. Há toneladas de gore, o mais desagradável deve ser a cena em que uma tartaruga é assassinada e comida enquanto tudo é filmado. Senti a bile subir na minha garganta enquanto observava. Só um aviso, não assista a este se você estiver comendo, já tiver comido, ou tem algum plano de comer novamente.

3 - Ichi the Killer - Takashi Miike


Do insano diretor asiático Takashi Miike, temos um filme deformado, torcido, com sobrecarga de sangue de um filme de máfia e que faria até o mais pervertido psicótico sentir enjôo. O personagem principal ainda corta a própria língua fora e goza com espancamentos masoquistas. Ichi é sexo e violência combinados em um ataque abrangente de cinema problemático.

4 - Audition - Takashi Miike


Outro filme de Takashi Miike. Na verdade eu não achei esse filme perturbador no geral e fiquei a pensar "por que diabos é que as pessoas ficam afetadas com isso?" Mas então vieram os últimos 30 minutos. Completamente estranho. De qualquer forma, Audition não é de fato um filme revoltante, mas isso é apenas a minha opinião.

5 - Equus - Sidney Lumet


Este é um filme de super subestimado e com uma brilhante atuação. É muito complexo porque é sobre a obsessão sexual estranha de um jovem com cavalos e sua espiral pscótica. Esse é um filme psicologicamente perturbador e desafiador.

6 - Turkish Delight - Paul Verhoeven


Este clássico holandês está longe de ser uma história média de amor. É realmente sexualmente explícito, com tomadas frontais (evitadas durante muitos anos) do pênis do ator Rutger Hauer, e tem toneladas de vômito, sangue, vermes e merda e um final super deprimente.

7 -  Um Cão Andaluz - Luis Buñuel


Curta metragem obra-prima de Luis Buñuel, que ficou conhecido, principalmente, por seu take infame de um globo ocular sendo cortado e aberto com uma navalha, mas tem toneladas de outros recursos visuais surreais e repulsivos que chocam e também atordoam. Luis Buñel foi um mestre do surrealismo no cinema. Fez muitos filmes impressionantes e inacreditáveis (literamente). Um Cão Andaluz conta com a participação do grande Salvador Dalí (que era amigo de Buñuel) atuando.

8 - The Holy Mountain - Alejandro Jodorowsky


Quando eu vi pela primeira vez este filme, eu não sabia o que fazer com ele. Eu ainda não sei. A única maneira como posso descrevê-lo é como uma viagem psicodélica através do inferno. Jodorowsky é outro mestre da arte com filmes surrealistas ou, como pode ser dito, filmes de hiper realidade psicológica. Vale muito ver.

9 - El Topo - Alejandro Jodorowsky


Uma bizarra, sangrenta, surreal alucinação no deserto, semelhante a um freakshow sobre um mestre pistoleiro que destrói todos os seus rivais com requintes de brutalidade. Recomendo fortemente Santa Sangre!

10 - O Anticristo - Lars Von Trier


O Anticristo é visualmente deslumbrante, mas realmente muito chato (nisso concordo!). Até que ele começa a ficar realmente sangrento. Mas ver Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg fazer sexo é preocupante o suficiente.

11 - Irreversível - Gaspar Noé


Filme densamente violento de Gaspar Noe, que ficou mais conhecido por sua cena de estupro em tempo real (meia hora), considerada repulsiva, abjeta, onde o personagem de Monica Belluci é brutalmente violada e espancada. Não apenas isso, mas há uma cena chocante de um super plano sequência doentio do crânio de um homem que está sendo esmagado por um extintor de incêndio. É um colírio para os olhos, eu digo.

12 - Enter the Void - Gaspar Noé


Esta jornada visual psicodélica para os olhos é muito mais do que uma lindo e brilhante jornada. É uma viagem desagradável, ofensiva, do pesadelo das drogas, morte e incesto.

13 - Naked Lunch - David Cronenberg


Quando eu assisti Naked Luch pela primeira vez, eu não tinha ideia do que esperar. Eu estava entediado e queria assistir a qualquer filme, aleatoriamente. Meu sentimento seguinte foi ficar chocado e ser totalmente sugado ao núcleo do filme. Ele me deixou realmente horrorizado (embora não tenha medo de muita coisa), pois os insetos e suas mutações com humanos são realmente brutais e este filme tem mais do que a sua quota de insectos rastejantes assustadores. Além disso, uma viagem esquizofrênica pelo mundo das drogas, do sexo, das perversões, da violência e (principalmente!) do corpo e da carne! É o humano indo muito além dos seus limites imagináveis, é como que uma viagem pós humana pelos corpos distorcidos pelo desejo. Obra de grande diretor David Cronenberg inspirada em livro homônimo de William Burroughs (muitos diretores de renome tentaram fazer essa adaptação antes, mas o Burroughs só confiou o projeto a Cronenberg), que vale concentração total. Como não se trata de uma crítica deste filme, especificamente, fico por aqui. Em breve uma análise mais calma e profunda da mesma obra. Filme genial de um gênio do cinema.

15 - Videodrome - David Cronenberg


Fica complicado continuar a lista quando aparece o David Cronenberg. É de fato um gênio da arte e além disso, meu objeto de pesquisa. Vamos fazer um esforço e continuar com as sutis pinceladas. Eu amo David Cronenberg. E este é um dos seus melhores, um saco de vômito extremamente sadomasoquista que apresenta um atrevido Debbie Harry e um arrogante James Woods, arrastados para uma festa de assassinatos (com snuff movies) psicossexuais estranhos.

Então ficamos com os 15 primeiros desta lista para o post da sexta feita 13. Amanhã cedo posto mais 15 ou 30 e continuo. E no meio disso tudo vamos tratar de outros temas e linguagens. Abraços!