quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Uma breve consideração acerca das distorções das "políticas da amizade" nas seleções de pós-graduação no Brasil.



O título de hoje é grande e já diz muito do que se trata o texto.
Antes de começar, preciso dizer que ando um tanto afastado do blog por conta de inúmeros trabalhos e afazeres nos últimos meses. Em breve a situação deve melhorar.

A origem do texto de hoje remonta aos idos de 2009. No meu primeiro contato/experiência com questões relativas a uma política distorcida muito presente nos programas de pós-graduação.
Naquele momento eu estava me aproximando da conclusão da minha segunda experiência na graduação, um curso no qual eu possuía Coeficiente de Rendimento 9.6, eu vivia para estudar.

Desde o ano de 2008 eu começava a vislumbrar e preparar o que imaginava ser a carreira ideal para mim, fosse por afinidades pessoais (diversas), fosse por considerar possível conduzir uma carreira acadêmica concomitante com uma produção cinematográfica independente. A partir daí, passei a me preparar para um mestrado subsequente ao curso de graduação.

Após conversar com alguns professores que considerava referências diretas, como Silvia Oroz, Wilson Oliveira, Gabriela Lírio e Tadeu Capistrano (que foi o meu orientador na época), decidi fazer o projeto com alguns meses de antecedência e pedir ajuda (principalmente ao Tadeu e ao Wilson) na correção e definição de pontos específicos. Tudo feito, projeto avaliado como sendo muito bom pelo Tadeu Capistrano, resolvi fazer a inscrição em uma grande universidade no Rio de Janeiro. Honestamente, esperava ter muitas dificuldades numa possível entrevista (sofro de uma timidez incrível), mas estava tranquilo no que diz respeito à prova e à correção do projeto.

Então, num belo dia, sai o resultado do projeto no site. Fiz a inscrição junto com um amigo (que por sinal tinha o projeto elogiado por muitos professores). Ficamos, os dois, com nota 6,9. A média era 7,0.
É obvio que é estranho, no mínimo curioso. Mas decidi não me preocupar muito, não levar adiante nenhuma teoria estranha. Passou.

Fiquei 2 anos trabalhando com audiovisual em outros estados e adiei o projeto da vida acadêmica. Até que, em 2011, resolvi que era o momento de me dedicar ao que havia projetado.
Com uma postura um tanto diferente da escolhida em 2009, resolvi que estudaria, mas não tanto quanto antes. Mantive minhas leituras nesses 2 anos, fiz duas especializações e decidi apenas revisar o mesmo projeto de antes.

Fiz inscrições em algumas instituições dessa vez. Não apenas uma. 
Foram elas: UFSCar, UFBA, UESB e UERJ.
Na UFSCar em Audiovisual, na UFBA no PosCom, na UESB em Memória e na UERJ em Artes.
A princípio, faria a inscrição na UFRJ, mas em contato com o Tadeu (professor de da pós na EBA) decidi que seria mais apropriado na UERJ, por se tratar de uma pesquisa envolvendo cinema.

Em todas as 4 o projeto foi aprovado e bem avaliado.
Aí começam questões intrigantes.
Antes de fazer a inscrição no PosCom da UFBA, me indicaram fazer a inscrição no Pos Cultura, dado que, sem contato prévio com os professores, jamais seria aprovado no PosCom. 
Ora, é perfeitamente compreensível o que acontece em muitos programas, quando os professores dão preferência a alunos da casa, por já conhecer o trabalho dos mesmos, saber da seriedade dos pretendentes. Entretanto, em momento algum, isso deveria anular a possibilidade de estudantes até então "desconhecidos" disputarem uma vaga de igual para igual. Não deveria, mas acontece.

O caso UFBA se deu da seguinte maneira. Com o projeto aprovado, fui convocado para a prova teórica e para a prova de língua estrangeira. Fui aprovado nas duas com ótimas notas. 
Penso que, tendo sido aprovado o projeto, há algum interesse da banca/curso/professores, em avaliar melhor a pessoa (e isso se dá, em parte, com as provas) até o momento da entrevista.
Chegando na entrevista não nego que fiquei surpreso pelo fato de que os três eram da área de jornalismo cultural, o que, ao menos em teoria, não seria o ideal para o meu projeto e de outra pessoa que viria depois de mim.
A entrevista foi pura formalidade, com questões que não  tinham absolutamente nada a ver com o projeto, senão com uma espécie de curiosidade da banca em relação a minha vida pessoal.

Estou falando aqui, antes de qualquer outra coisa, de respeito.
O meu projeto (que havia sido aprovado com nota alta) nem sequer tinha sido lido pelos membros da banca. O incrível é que um professor nem sabia pronunciar o nome Cronenberg, presente na capa do projeto. O mesmo professor (que por sinal era incrivelmente arrogante) não sabia se já tinha visto alguma coisa do diretor em questão. A outra professora tinha certeza absoluta de nunca ter visto nada do diretor e desconhecer grande parte da bibliografia. O terceiro, esse um tanto mais respeitoso e profissional, conhecia os filmes citados do projeto pois fez questão de vez antes da banca, mas também desconhecia a bibliografia. É importante ressaltar que a bibliografia é amplamente conhecida nas áreas que vão desde a filosofia, passando por comunicação/cinema, até as artes.

E depois de algum tempo respondendo a perguntas absurdas sobre minha atividade como professor de música, cerca de 10 minutos, o coordenador (do curso e da banca) disse que estava preocupado, pois não via ninguém no quadro de professores que tivesse inclinação para orientar uma pesquisa envolvendo um cinema "tão específico".

Quando você está numa situação assim, de banca, de avaliação, sabe que a ansiedade e a aflição são esperadas, que ir mal é uma possibilidade, que estar despreparado é uma possibilidade. Mas chegar até aí pra ficar batendo papo sobre amenidades e vida pessoal é no mínimo esquisito. Ofensivo. Desrespeitoso. O candidato, além de estudar e trabalhar para chegar ali, deposita confiança e o mínimo que se exige é respeito. O que não aconteceu. Foi o caso UFBA.

Depois veio o caso UESB. Esse, o mais incrivelmente desrespeitoso e, posso dizer, cretino.
Da mesma maneira que no caso da UFBA, o projeto foi aprovado, passei nas provas (na teórica e na de inglês) com ótimas avaliações. Parti para a entrevista.
Chegando lá, me deparo com a má vontade em pessoa. Ainda bem que não lembro o nome dela. Era a coordenadora do curso.
Me disse que o projeto estava excelente, muito bem redigido, com as bases teóricas muito bem sustentadas, me disse que a prova tinha sido muito boa. Em seguida, foram inúmeras perguntas burocráticas, sobre, bolsa, estadia, moradia, a cidade, minha carreira, muitas outras e nenhuma, repito nenhuma questão sobre o projeto. A banca era composta da mal humorada que adorava rasgar elogios e dois professores mudos. Cerca de 7 minutos depois, perguntou se eu queria saber algo sobre o curso e praticamente forçou uma despedida.

Confesso que até hoje não entendo muito bem esse caso. O que sei é que falta muito pra que uma pessoa assim compreenda o que é educação e respeito.

Escrevo esse texto hoje porque dois amigos passam por situações semelhantes e conversamos longamente sobre o assunto.

Na UFSCar fui aprovado no projeto, prova e língua estrangeira. Assim como na UERJ.
Não fui para a entrevista da UFSCar por ter caído na mesma data da UERJ, que era a minha preferência.

E a maneira como as coisas aconteceram na UERJ deveria servir de exemplo pra todos os cursos de pós no Brasil. Desde o começo da entrevista o máximo cuidado e respeito pelo candidato era evidente. Uma preocupação em aniquilar qualquer ansiedade, com o bem estar. Todas as perguntas burocráticas comuns foram feitas e depois, pela primeira vez naquele ano, os professores entraram propriamente no projeto. Foi a entrevista na qual fui mais duramente arguido. E isso já era uma demonstração de respeito. Pelo fato de ter lido o projeto, de ter se preocupado em questionar os pontos frágeis, em tentar descobrir do candidato como resolver tais questões. Processo muito respeitoso. Não digo que foi agradável. Nunca é. Mas foi justo, na medida do possível.

Em que esse texto tem relação com o título? 
É comum que tenhamos, não apenas na academia, em quase todos os processos relacionais, sejam eles de cunho profissional, artístico, uma chamada política da amizade. Uma preocupação em manter por perto os pares, em exaltar afinidades e homenagear essas afinidades.
Entretanto, é terrível quando isso se confunde com uma política das panelinhas. Quando, por exemplo, só trabalha em determinada função, ainda que existam candidatos mais competentes, aquele que tem o contato ou (no que considero o pior dos casos) aquele que segue a cartilha sem pisar fora dos trilhos.

É uma política expulsa, que tira de determinados círculos, todo aquele que pensa diferente. E não percebo como o pensamento pode ser enriquecido e florescer onde todos repetem o mesmo discurso.
A ousadia ou simplesmente o impulso de produzir uma diferença é covardemente tolhido no meio acadêmico. É a ultra exaltação do igual, do discurso homogêneo que rege a academia, especialmente na pós graduação. E é óbvio que existem exceções. Sem dúvidas! E em alguns programas específicos já estão a fortalecer o corpo. O que é muito positivo.  O que sinto é que todo aquele que está na margem recebe uma enorme pressão para que dali não saia jamais.

Lembro de um texto que li, em 2009 ou 2010, salvo engano, no blog do Erick Felinto:

"1. Ao escrever seus artigos, busque o estilo mais impessoal, conservador e desprovido de graça que puder imaginar.  Nada de títulos muito inventivos, boutades ou argumentos originais.  Tente sempre se colocar no lugar de um avaliador da Capes e dê um jeito de enfiar  a palavra “comunicação” onde quer que seja possível, principalmente no título e no resumo.  Aliás, como a avaliação se baseia unicamente na leitura dos resumos dos textos, invista um bom tempo no aprendizado da arte de escrever resumos;
2. Tente estar sempre atento ao cânon de autores e teorias oficialmente sancionado pelas correntes modas acadêmicas.  Para conseguir o imprimatur (nihil obstat) dos poderes estabelecidos é importante manter-se atualizado em relação a esse cânon, que, como toda moda, muda de tempos em tempos.  Michel Maffesoli, que nos idos de outrora constituiu uma das principais referências da comunicação no país, agora produz esgares de raiva nos rostos de avaliadores e pareceristas.  A semiótica, que um dia foi a última moda da literatura e da comunicação, agora é quase um palavrão acadêmico.  No sentido de oferecer uma ajuda nesse complexo cenário do que está “in” ou “out” na academia, preparei a relação de nomes abaixo como exemplos significativos e uma escala de 0 – “nunca usar” a 5 – “pode esbanjar”:
I. Gilles Deleuze – sempre “in”, sempre citado, mas cuidado: ele cheira muito a filosofia para agradar unanimemente aos avaliadores de nossa área.  Conceito 3 (grau de risco razoavelmente alto.  Use apenas se seu capital acadêmico tive bala na agulha para isso);
II. Giorgio Aganben – super “in”, esse está altamente na moda, especialmente na área específica dos estudos de audiovisual, mas apresenta o mesmo risco do nome anterior, ainda que em grau inferior. Conceito 4;
III. Pierre Lévy – já um pouco desgastado, mas ainda uma referência bastante segura e figurinha fácil na abertura de vários congressos no Brasil.  Conceito 4;
IV. Arlindo Machado – entre os nomes nacionais, esse é unanimidade.  Nível de segurança e aceitação totais, pode usar e abusar.  Conceito 5;
V. Adorno – figura clássica, de boa aceitação, ainda que se prefira seu uso acompanhado de algumas observações críticas.  Afinal, ser apocalíptico está definitivamente fora de moda.  Conceito 3;
VI. Lev Manovich – popularíssimo!  Muito seguro e – apesar de excessivamente utilizado – ainda chique.  Conceito 5;
VII. Jesús Martín-Barbero – totalmente “in”; além de bacana e atual, ainda é latino-americano.  Um “plus”. Conceito 5;
VIII. C. S. Peirce – não chegue nem perto, a não ser que realmente tenha uma capital acadêmico do tamanho do Amazonas.  Como explicado acima, o simples emprego do termo “semiótica” pode ser suficiente para condená-lo às chamas eternas do inferno.  Conceito 1.
[Esses são apenas alguns poucos exemplos.  A lista seria muito grande e cheia de nuances para caber aqui, mas as indicações já dão uma boa idéia do que seria considerado de "bom tom" em nossos discursos acadêmicos]
3. Procure sempre o difícil equilíbrio entre manter um “low profile” e arrumar um jeito mais ou menos discreto de divulgar tudo o que está fazendo.  Aqui também a publicidade é a alma do negócio;
4. Não faça nada para irritar “the powers that be”.  Às vezes você não tem nem idéia disso, mas uma eminência do alto clérigo te detesta por não ter sorrido e meneado a cabeça em acordância durante a apresentação de um trabalho dele em algum congresso.  A política é a arte do possível, disse Bismarck.  Portanto, faça o possível para todo mundo te adorar (especialmente os dirigentes do império intergaláctico);
5. Aja sempre conforme o esperado segundo seu capital acadêmico, de modo a não perturbar a ordem natural das coisas.  A escala segue, naturalmente, a seguinte seqüência: 1. mestrandos (habitam lá pelo quinto círculo do inferno, na lama ardente dos pântanos do Estige), 2. doutorandos (ali pelo segundo círculo do inferno, sofrendo nas intermináveis tempestades de ventos), 3. doutores empregados em universidades particulares, exceto as confessionais (localizados no confortável, mas enfadonho limbo), 4. jovens doutores empregados em universidades públicas (assentados no purgatório), 5. antigos doutores empregados em universidades públicas (nas primeiras escalas do empíreo) e 6. antigos doutores que também são pareceristas de órgãos de fomento à pesquisa (sentados à direita do trono divino).  Qualquer alteração dessa hierarquia provoca profundas perturbações do sistema e reações anafiláticas nos representates das hostes superiores.  Um doutorando capaz de escrever e pensar melhor que um doutor da quinta esfera corre o risco de ser demovido para um dos círculos infernais.
6. Se alguém te perguntar se já leu tal ou tal livro do qual você sequer ouviu falar, simplesmente mova a cabeça e faça algum ruído ininteligível, de modo que seu interlocutor não saiba se a resposta foi sim ou não.  Se tiver lido pelo menos a introdução, já está bom e pode dizer com segurança que sim (e não é que aqui também a arte de ler e escrever resumos vem a calhar?).
Depois de ter lido todos esses úteis segredos do sucesso na vida acadêmica, medite no tranqüilo recesso de seus aposentos mais privados e responda a seguinte pergunta: “quero ser professor por que realmente amo o conhecimento, o ensino e a pesquisa? “.  Se a resposta for sim, esqueça todas as indicações anteriores e viva perigosamente.  É isso o que realmente importa.  E todo o resto, como dizia Verlaine, “é literatura”."  (Eirck Felinto).

Por sinal, indico a todos os blog Carpintaria das Coisas, do Erick Felinto. Excelente! O endereço é: http://poshumano.wordpress.com/
Fica por aqui essa reflexão inicial acerca dessa questão intrigante e curiosa.
Continuo levando o projeto de vida acadêmica por perceber que a minha afinidade cresce e, ainda, por não ter talento pra outra coisa. E lembro do que disse o Jorge Vasconcellos numa aula, de que só é possível detonar certas estruturas por dentro. É por ai.

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